[Artigo] 10 motivos para fazer a Reforma Política

Atualmente, está em discussão no Congresso Nacional uma "reforma" política que é o próprio retrocesso: fim do voto proporcional, a implantação do escandaloso "distritão" e um imoral fundo público de R$ 3,6 bilhões para financiar campanhas eleitorais.
Há 2 anos atrás, contribuí com este texto para o site Viomundo, onde enumerei 10 motivos que apontavam para a necessidade urgente de uma reforma política no país. Infelizmente, de lá pra cá nada mudou, e o texto continuou atual.



10 motivos para o Brasil realizar a Reforma Política

por Guilherme Galvão Lopes

Na atualidade, há uma grande discussão sobre a necessidade de uma reforma política. No entanto, tais discussões são limitadas a círculos restritos das elites econômica, intelectual e política do país. A maioria da população não tem exata dimensão da necessidade deste debate e quais suas conseqüências práticas para a sociedade brasileira.

Sendo assim, abordo aqui 10 motivos e seus exemplos práticos que apontam para a necessidade urgente de uma reforma política no Brasil. Os dados utilizados foram retirados das páginas do TSE, Câmara dos Deputados, Senado Federal e IBGE.

1 – As circunscrições eleitorais são enormes e as campanhas são caras

O estado de Minas Gerais possui 853 municípios, em uma área com mais de meio milhão de km², com cerca de 21 milhões de habitantes. Atualmente, elegem-se pelo estado 53 deputados federais e o quociente eleitoral (número mínimo de votos que um partido precisa para eleger um parlamentar) foi de 191.227 votos nas eleições de 2014. 86% dos municípios mineiros têm população menor que 50.000 habitantes. Tais números ratificam a dura realidade: uma campanha eleitoral é demasiado cara, pois as áreas a serem percorridas em busca de votos são extensas, os municípios pouco densos e o tempo de campanha é curto (3 meses). Tais fatos favorecem o financiamento privado de campanhas eleitorais.

2 – Financiamento privado de campanha favorece a corrupção e a improdutividade parlamentar

O fato apontado no tópico anterior cria ambiente propício para que grandes empresas e corporações doem milhões de reais para candidatos que, depois da eleição, serão certamente cobrados, seja no atendimento de seus interesses no processo legislativo, ou em favorecimentos ilícitos em contratações e licitações. Bancadas informais – como a da bala, da bola, do agronegócio e dos planos de saúde — são constituídas no Congresso, com a atuação de deputados como meros lobistas no atendimento de tais pautas, deixando de lado temas de interesse da população e transformando o parlamento em mera filial de tais corporações.

3 – O Brasil é campeão em infidelidade partidária

Com a mercantilização das eleições em virtude do financiamento privado, os partidos políticos transformam-se em meras marcas, necessárias apenas para fins cartoriais, pois a legislação brasileira não permite candidaturas avulsas.

Alguns números exemplificam o absurdo: em 2002, o PTB elegeu 26 deputados. No entanto, na posse em 2003 o partido “cresceu” e já possuía 41 parlamentares. Da mesma forma, o PL (atual PR) elegeu 26 deputados e 33 tomaram posse. Com outros partidos, aconteceu o inverso: o PPS elegeu 21 e 15 foram empossados; o antigo PSD, liderado por Nabi Chedid, e o extinto PST elegeram, respectivamente, 4 e 3 deputados. Na posse, ambos partidos não possuíam parlamentares filiados.

Hoje, devido aos novos dispositivos impostos pela legislação e por interpretações do TSE, a farra do troca-troca partidário arrefeceu, mas rapidamente uma parte da classe política criou novas saídas.

4 – Criar partidos políticos virou um grande negócio

Segundo a legislação, um parlamentar no exercício do mandato pode mudar de partido apenas em caso de fusão, incorporação ou extinção da sigla à qual pertence, a comprovação de grandes discordâncias ideológicas, ou se um parlamentar participar da fundação de nova agremiação. Nos últimos 6 anos, 5 novos partidos políticos foram criados, totalizando 32 em funcionamento no Brasil.

Criado em 2011 pelo ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, o novo PSD fez enorme estrago no DEM: em 2011, 43 parlamentares tomaram posse pela legenda. Ao fim de 2014, o DEM possuía 28 deputados. O mesmo ocorreu com o PDT, a partir da fundação do Solidariedade (SD) pelo deputado paulista Paulinho da Força. Em 2011, foram 26 empossados, contra 18 da bancada de 2014. Nem DEM, nem PDT, puderam fazer nada em relação aos mandatos, pois os parlamentares egressos alegaram a fundação de novas legendas.

Outros 48 partidos estão em processo formal de registro, o que projeta um quadro de 80 siglas a médio prazo. Não creio que todos estes partidos sejam de aluguel, mas existem 80 ideologias e matizes políticas diferentes? Será que é viável negociar de forma racional com os atuais 28 partidos que possuem representação no Congresso Nacional?

O fato é que os partidos políticos no Brasil, além de espaço gratuito na TV e no rádio, possuem cotas do fundo partidário e recebem verbas para manter instituições de estudos políticos. Além do lançamento de candidaturas, os partidos podem ocupar espaços em governos, autarquias, fundações e nas casas legislativas. E é, principalmente, por causa do tempo de TV e rádio que as coligações eleitorais são formadas.

5 – Coligações no Brasil são uma aberração ideológica

Nas eleições de 2014, a coligação que apoiou o candidato ao governo fluminense Luiz Fernando Pezão (PMDB) reunia PMDB, PP, PSC, PTB, PSL, PPS, PTN, DEM, PSDC, PRTB, PHS, PMN, PTC, PRP, PSDB, PEN, PSD e SD. O PMDB, a nível nacional apoiou Dilma Rousseff (PT), com quem estava coligado. No Rio, porém, o PMDB sacrificou seu apoio ao PT para ter o apoio do PSDB local, que lançou Aécio Neves candidato a presidente. Na coligação, estavam ainda o PSDC, que lançou José Maria Eymael; o PRTB, que tinha Levy Fidelix como candidato; PHS, PPS, PRP e PSL, que apoiaram a candidatura de Marina Silva (PSB); e o PSC, do candidato Pastor Everaldo Pereira. Na mesma coligação, haviam 18 partidos que apoiavam 6 candidatos diferentes a presidente. Um dos adversários de Pezão, Lindberg Farias (PT) reunia em sua coligação o PT, partido da candidata Dilma, o PSB, de Marina Silva, o PC do B e o PV de Eduardo Jorge.

Em 2004, ficou famosa a coligação entre PSTU, PFL, PL e PPS em Barra do Garças (MT), e a coligação entre PV e PSOL para lançar Luciana Genro à prefeitura de Porto Alegre em 2008.

Nas eleições de 2014, alguns partidos elegeram seus únicos representantes com votos de outros partidos, graças às coligações. É o caso do PSL, que elegeu José Maria Macedo Junior (CE) com 107 mil votos. O PSL, no entanto, não atingiu o quociente (198.501 votos), obtendo apenas 148 mil votos em sua legenda. Macedo apenas conseguiu se eleger graças à aliança entre o PSL e partidos como PDT, PT, PROS e PC do B. O mesmo ocorreu com o PTC, que elegeu Uldurico Junior (BA) com quase 40 mil votos graças à coligação com outros 5 partidos, e Bruniele Ferreira (MG), com 45 mil votos, na aliança com PSC e PSL.

No Brasil, as coligações parecem não obedecer nenhum critério de proximidade ideológica, nem ao menos seguem a verticalização das alianças, repetindo as nacionais em eleições locais. E são apenas eleitorais, ao contrário da maioria das democracias do mundo: após as eleições, é cada um por si e Deus por todos na disputa pelo poder.

6 – Partidos ou capitanias hereditárias?

A maior parte das distorções relativas às alianças ocorre porque muitos partidos políticos, hoje, são estruturas herméticas, sem renovação em suas direções, ausentes de dispositivos de democracia interna, alheios aos movimentos sociais e às demandas urgentes da população. Hoje, apenas 15 milhões de brasileiros são filiados aos partidos políticos. E desse total, poucos são os que participam ativamente do dia-a-dia de suas agremiações, porque ele simplesmente não existe. Não há no Brasil a figura das prévias para escolha de candidatos, e as eleições diretas internas se restringem a poucas siglas. Várias delas não possuem ao menos sites ou páginas oficiais em redes sociais.

Roberto Freire, por exemplo, preside o PPS desde 1992, ano em que foi criado a partir da implosão do antigo PCB, diante do colapso do socialismo soviético. Levy Fidelix preside o PRTB desde 1997, ano em que o fundou, e terá mandato até 2020. Eymael lidera o PSDC desde 1997, e o PTN, fundado dois anos antes, é controlado pela família Abreu, que reveza o comando do partido entre seus parentes.

7 – O voto proporcional foi distorcido

O voto proporcional foi criado para que os partidos de menor tamanho pudessem usufruir da mesma representatividade dos grandes partidos. A ideia é a de fortalecer o partido, de forma coletiva e impessoal, com o pertencimento do mandato não ao eleito, mas à sigla. Se o parlamentar, por qualquer motivo, deixar o mandato, o suplente de seu partido, em tese partilhando dos mesmos princípios políticos e ideológicos, ocuparia o cargo.

Atualmente, o voto proporcional está desvirtuado. As coligações, da forma como expus no tópico 5, enfraquecem os partidos. O eleitor de um partido conservador pode, pela coligação, ajudar a eleger um esquerdista, e vice-versa. Há partidos que constituem os “puxadores” de legenda, geralmente celebridades ou grandes personalidades políticas, que ajudam a eleger figuras menos abastadas eleitoralmente, antigos líderes decadentes e, raramente, quadros orgânicos.

O exemplo mais conhecido é o do falecido deputado federal Enéas Carneiro, presidente do extinto PRONA. Em 2002, foi eleito por São Paulo com mais de 1,5 milhão de votos. A nominata de seu partido era pequena, e os votos de Enéas ajudaram a eleger outros 5 candidatos, como Ildeu Araújo, com 382 votos, e Vanderlei Assis, com 275 votos. Pouco depois da posse, 4 deputados eleitos com os votos do PRONA transferiram-se para outros partidos, sem qualquer tipo de punição legal.

Inúmeras legendas, em suas propagandas, buscam candidatos para disputas eleitorais afirmando eleger “o maior número de candidatos com menos votos”. São as famosas “legendas de aluguel”: basta se filiar, se candidatar, ter uma quantidade razoável de votos e ser eleito através de coligação esdrúxula. E se o eleito quiser sair, muitas agremiações não criam constrangimentos.

8 – O suplente de senador é escolhido antes da eleição

Os dois suplentes de um candidato ao Senado Federal são escolhidos antes das eleições, e boa parte da população não sabe disso, ou, sabendo, desconhece os suplentes dos postulantes. A regra geral é colocar na suplência os financiadores de campanha, antigos caciques sem voto e parentes. É raro um partido indicar um quadro ideológico para a suplência.

O falecido senador baiano Antonio Carlos Magalhães, o ACM (DEM), tinha como suplente o próprio filho, Antonio Carlos Magalhães Júnior. Quando ACM morreu em 2007, o filho assumiu quase 4 anos de mandato. Em 2002, Sergio Cabral (PMDB) foi eleito senador pelo Rio de Janeiro. Quatro anos mais tarde, tornou-se governador do Rio, assumindo o seu mandato o desconhecido Regis Fichtner (PMDB). Fichtner, porém, foi convidado para a Casa Civil fluminense, deixando o posto de senador para o ex-deputado estadual Paulo Duque (PMDB). Presidindo a Comissão de Ética da Casa, Duque arquivou sumariamente representações contra José Sarney (PMDB) e Arthur Virgílio Neto (PSDB), afirmando que “a opinião pública é muito volúvel”, segundo o UOL. Gabava-se, também, de ter gasto “meia dúzia de reais” para virar senador…

Por que os critérios são diferentes para a escolha de suplentes de senadores, deputados e vereadores?

9 – Negros e mulheres são minoria nos espaços de poder

Mesmo correspondendo, cada grupo, a mais de 50% da população, os afro-descendentes e as mulheres ainda são minoria no Congresso Nacional. Na Constituinte de 1987, apenas quatro parlamentares eram afro-descendentes: Edmilson Valentim (PC do B/RJ), Carlos Alberto Caó (PDT/RJ), Benedita da Silva (PT/RJ) e Paulo Paim (PT/RS). Na atual legislatura (2015-2019), são 103 (20%) deputados autodeclarados, de acordo com pesquisa da Folha de São Paulo.

Apenas nos anos 1990 que o Brasil conheceu seus primeiros senadores negros, Benedita da Silva e Abdias Nascimento (PDT/RJ), que assumiu a vaga após o falecimento de Darcy Ribeiro (PDT/RJ). O pouco conhecido Eduardo Ribeiro é considerado o primeiro governador negro do Brasil, sendo mandatário do Amazonas em fins do século XIX.

Atualmente, a representação feminina é de 51 deputadas (9,94%) e 12 senadoras (14%), apesar da reserva de 30% para mulheres em nominatas. Em 1998, foram 29 deputadas e 2 senadoras. Hoje Dilma Rousseff ocupa a Presidência, mas apenas em 1989, após 100 anos de República, que a primeira mulher foi candidata: Lívia Maria, do extinto Partido Nacionalista (PN). A primeira governadora, Iolanda Fleming, assumiu o mandato no Acre após a renúncia do titular, em 1986. E a primeira prefeita de capital foi Maria Luiza Fontenele, eleita pelo PT de Fortaleza em 1985.

Apesar do crescimento de ambos grupos, nenhum negro ou mulher presidiu a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Há estados sem mulheres em suas bancadas. Em 2015, nenhum governador de estado é negro e apenas um (Roraima) é governado por uma mulher, Suely Campos (PP).

10 – Existem disparidades entre eleições majoritárias, proporcionais e número de filiados

Em 2014, o candidato a presidente José Maria Eymael conquistou 61 mil votos. No entanto, o PSDC possuía 164 mil filiados um mês antes do pleito. Em 2010, o mesmo já havia acontecido com Eymael e com Levy Fidelix, que obteve 57 mil votos ante 92 mil filiados ao PRTB na ocasião. Os candidatos não empolgaram nem os membros de seus respectivos partidos.

Além da óbvia omissão de muitos filiados quanto aos candidatos de suas siglas, há uma enorme diferença entre o desempenho em eleições proporcionais e majoritárias, o que demonstra tanto o distanciamento da militância, quanto a desorganização em estados e municípios e a infidelidade de candidatos a diversos cargos, dentro do mesmo partido.

O PSDB, que conseguiu 34 milhões de votos ainda no 1º turno para o presidenciável Aécio Neves, recebeu apenas 11 milhões de votos para deputado federal. Com o PT de Dilma Rousseff, o mesmo ocorreu: 43 milhões de votos para presidente contra 16 milhões para a Câmara. O PSOL possuía, em setembro de 2014, cerca de 86 mil filiados. Sua presidenciável Luciana Genro obteve 1,6 milhão de votos, e o partido fez 1,1 milhão de votos para a Câmara.

Não há a possibilidade de fortalecer os partidos se vários nem ao menos lançam candidatos a deputado em todos os estados, se a maioria não lança postulantes aos cargos majoritários e aventuram-se em coligações proporcionais, e se as candidaturas apresentadas não são discutidas internamente de forma democrática. Diante de 5.570 municípios brasileiros, existem ainda siglas que não governam ao menos um deles.

Diante destes 10 pontos, a sociedade brasileira necessita debater com a classe política acerca de propostas essenciais para o amadurecimento de nossa democracia, como a cláusula de barreira, fidelidade partidária, voto distrital, financiamento de campanha, ferramentas de participação popular e democracia interna, fim das coligações proporcionais ou, pelo menos, coligações com critérios ideológicos e a manutenção dos blocos após as eleições.

Caso isto não ocorra, cada vez mais assistiremos os votos brancos, nulos e abstenções nas eleições presidenciais ultrapassando os 32% em diversos estados, como o Maranhão no 1º turno, ou pouco abaixo dos 40%, como no 2º turno para governador no Rio de Janeiro. As pessoas continuarão distantes da política e dos partidos, como os quase 88% de eleitores que não são filiados a nenhum deles.

Os recursos do fundo partidário continuarão sendo distribuídos de forma desigual dentro dos partidos, financiando as campanhas dos grandes caciques. A nossa produtividade legislativa continuará dominada por mudanças de nomes de ruas, prédios públicos e concessões de medalhas e títulos. E os grandes problemas do país postergados para as futuras gerações resolverem. 

Comentários