O PDT e sua crise de identidade

Antes de mais nada, gostaria de esclarecer uma coisa: tenho 22 anos, filiado ao partido desde 2004, quando nosso líder Leonel Brizola ainda era vivo. Minha família é trabalhista: meu falecido avô era militante do antigo PTB (votou no Brizola para deputado da Guanabara em 1962) e meu pai eleitor do Caudilho desde 1982. Os retratos no meu quarto são de Getúlio Vargas e Brizola, e as bandeiras, a do Botafogo de Futebol e Regatas e do PDT. Isso tá no meu sangue.
Bem, no mês passado, o PDT realizou Convenção Nacional em Brasília para escolher seu diretório nacional e executiva. Cerca de 400 membros elegeram também nova executiva. Começo meu questionamentos: será que esses cerca de 400 conseguiram representar os cerca de 1 milhão e 100 mil filiados ao partido? Quem são as pessoas que votaram? Foram realizadas convenções estaduais para eleger delegados à essa convenção? A nova executiva eleita não tem quase nada de novo. Poucos novos membros foram eleitos, e os que continuaram mudaram de funções quase que num rodízio.
A vontade da militância foi representada?
No PT funciona a democracia direta, cada militante é um voto. Todos iguais. Se amanhã o Lula quiser ser presidente do PT, ele terá que se candidatar, e se a militância concordar, ele será eleito. Se não quiser, o Lula não será presidente. É simples. Valoriza o membro do partido, o torno integrante do processo, fomenta o embate, o choque de ideias, o que possibilita o crescimento, qualitativo e quantitativo.
O PDT precisa ser dialético. É o segundo ponto. Nosso partido infelizmente não possibilita, nem na letra nem na prática, a constituição de alas ou tendências partidárias. Pensamento único? Centralismo democrático? Não, é centralismo burro mesmo... Como que um partido democrático, que quer se mostrar para a sociedade como moderno e ao mesmo ideológico, pode manter uma estrutura tão engessada?
O Brizola era o Brizola. Não será feito outro. Ele era um ser totalmente diferente de tudo. Era ideólogo, articulador, orador, realizador, visionário, um "fazedor" como diria Darcy Ribeiro. Tinha percepção. Brizola era um estadista. Mas, infelizmente, ele não está mais entre nós. Só que alguns que hoje estão no comando do PDT pensam que são o Caudilho - alguns por levar o sobrenome Brizola, outros pela proximidade que tinha com o Velho. E aí, tomam as decisões, achando que são das melhores.
Brizola ia pra rua, abraçava o povo, volta e meia aparecia na TV, nas manifestações, nos seus "tijolaços". Tinha bom senso, era popular, falava de igual pra igual, tinha simpatia. Ele agia. Hoje, alguns mandatários pedetistas tomam decisões de dentro do gabinete, utilizando-se de "pesquisas" e do que seus "assessores" acham que é o certo.
E é um dos motivos que fazem o PDT perder o rumo. Por que não hoje, num mundo de inovações, nosso partido se abrir democraticamente para a discussão de sua propria existência? Medo de se perder? Se antenar com a realidade não quer dizer perder sua essência, jogar fora sua história, nada disso. Nosso partido abriga desde alguns nacionalistas um pouco conservadores até marxistas-leninistas, que tem em comum a figura de Brizola como exemplo de perseverança, rebeldia, coerência e coragem.
Temos que acabar com esse falso consenso que existe no partido. Consenso: "eu sou da direção, dito a regra, não te pergunto, e se você discordar, problema é seu. A decisão já está tomada." Assim foi quando o PDT entrou para a base do governo Lula em 2006. Fui contra, muito mais pela maneira como o partido entrou do que pela sua própria adesão. A decisão chegou pronta, foi apenas anunciada.
Na última convenção, inclusive, foi dito que o PDT precisa se renovar. Como, se ninguém pode, estatutariamente, organizar um grupo para o debate de ideias, para levar uma tese a um congresso do partido, para lançar, SIM, uma chapa de oposição à alguma direção, sem medo de represálias? Depois não entendem porque que o PDT não elegeu nenhum governador. Medo de ser grande. Tenho saudade do PDT de 2006, que saiu lançando candidaturas próprias a torto e a direito, indo pra rua, divulgando a ideia, a história e a marca de nosso partido. Mas e depois? Um simples partido adesista.
Não adianta dizer que vai democratizar o PDT se tal decisão vier de cima, e não da base. Democratizar na imposição seria apenas uma das várias contradições do partido, que hoje está inclusive em contradição com sua própria história.
É verdade que o PDT cresceu nos últimos anos. Em 2006 tínhamos 957 mil filiados, hoje estamos com 1 milhão e 128 mil. E o que aconteceu? Nossa bancada cresceu apenas de 24 para 28 deputados (o PSB que é muito menor foi de 27 para 35). Não elegemos governadores. O número de fisiológicos no partido cresceu e muito (nem vou falar de ninguém porque posso ficar a noite toda aqui escrevendo). De que adianta filiar esse povaréu todo e não garantir um espaço para eles participarem das votações, congressos, reuniões, direito de discursar, de se candidatar, de expressar o que pensa, de acordo com o programa do partido? Ou é só mesmo pra carregar bandeira, como muitos partidos fazem, com militância paga?
Quem foi Pasqualini, Doutel, Darcy e Julião? Acredito que muitos do parlamentares do PDT nem saibam quem foram essas figuras históricas, do partido e do Brasil. Não há formação ideológica, poucos cursos, reconheço que a ULB é um esforço, mas está muito distante do que deveria e poderia ser. Tem até ruralista no partido, presidente de diretório e tudo...
Ah, isso é outro problema. Será que alguém tem o número de diretórios (inclusive os zonais) que estão sob intervenção? Dezenas, talvez milhares, pelo tamanho do nosso país! E aí, quem escolhe os candidatos do PDT, quem aprova as coligações, que analisa as nominatas, quem filia essa gente ao PDT? Não se sabe...
Temos também os movimentos partidários, para os quais quase ninguém dá importância. A Juventude Socialista/PDT virou "coleguinha' da UJS (braço do PC do B), e agora entrou na onda de só fazer ata pra escolher delegado pra congresso de entidade. Nada contra, desde que isso fosse feito por métodos honestos, e fosse com o interesse de levar a ideia do partido, e não de negociar carguinhos (alguns meramente ilustrativos, claro) nas direções das UBES, AMES e UEE's da vida. O Movimento Negro, extremamente importante e pelo qual tenho um profundo respeito, possui pouca organicidade e respaldo partidário. O MAPI vai pelo mesmo caminho, e até hoje não sei a linha de atuação de nosso Movimento Sindical, com todo o respeito aos companheiros que militam nessas frentes.
Olha, não foi à toa que Brizola, no fim da vida, pensou em fechar o PDT e criar um movimento de libertação nacional. Muita gente cresceu o olho em nossa legenda, e Brizola teve que defender nossa trincheira de todas as maneiras. Hoje, com ele descansando ao lado dos grandes em São Borja, essa turma está aos poucos tomando nosso partido de assalto - em todos os sentidos - e transformando-o em balcão de negócios, em nome de interesses e vaidades.
Ou a direção do Partido Democrático Trabalhista, em todos os níveis, acorda, dialoga com a militância e a sociedade, atualiza seu projeto de Nação, abre espaço para discussões, para participação popular, de forma simples e direta, e volta a crescer, de forma qualitativa, ou então, dentro de alguns anos, será preciso sair do PDT para continuar sendo brizolista.

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