O que está acontecendo com a esquerda do Brasil?

Após o resultado eleitoral do dia 5 de outubro, eu faço uma pergunta: o que está acontecendo com a esquerda carioca?
Quando eu digo esquerda, falo de forma genérica, me refiro aos partidos em sua origem.
Os candidatos de determinados partidos receberam votações pífias, nomes tradicionais não foram sequer eleitos, puxadores de legenda receberam baixas votações.

Vou pegar alguns exemplos: PDT, PT, PC do B, PCB e PSTU. Sobre o PSOL não tenho o que dizer, pois foi sua 1ª eleição municipal, e manteve o único vereador que tinha na Câmara Municipal (Eliomar Coelho, reeleito com 15.703 votos, enquanto teve 18.296 pelo PT em 2004). Sobre o PSB também não tenho, já que em 2004 não elegeu ninguém, e em 2008 conseguiu fazer 2 vereadores (Dr. Carlos Eduardo e Rubens Andrade). O PPS fez 2 vereadores (Stepan Nercessian e Paulo Pinheiro), mantendo o número de 2004, e até aumentando a votação dos eleitos.

O PDT é o maior partido do Rio de Janeiro, com 74.600 filiados (Fonte: TSE - Ago/08). Porém, o candidato a prefeito pelo partido, Paulo Ramos, obteve 59.147 votos (1,80%). Isso quer dizer que a candidatura de Paulo Ramos não entusiasmou nem aos próprios membros do partido, que não votaram em seu correligionário. A bancada do PDT se manteve (3 parlamentares), porém sofreu muitas perdas. Dos 3 vereadores do partido, apenas 1 se reelegeu (Nereide Pedregal), sendo a mais votada com 19.562, enquando em 2004 o mais votado foi Brizola Neto, com 24.198. Os outros 2, Sami Jorge - este vereador desde a década de 50 - e Charbel Zaib, amargaram a 1ª e 2ª suplência respectivamente. O PDT teve 151.794 votos nominais e 22.426 votos de legenda. Em 2004, esse número foi de 178.169 nominais e 17.147 de legenda. Dá um total de 195.316 em 2004 e 174.220 em 2008. Teve menos votos nominais que o "nanico" PT do B, que obteve 162.186 votos.

O PT também sofreu. Seu candidato a prefeito em 2004, Jorge Bittar, obteve 217.753 votos (6,31%). Neste ano, o candidato petista foi Alessandro Molon, que recebeu 162.926 votos (4,97%). Na Câmara Municipal, apesar de manter o número de eleitos (3), teve uma queda significativa. O mais votado, Adilson Pires, teve 11.555 votos. Na eleição anterior, o mais votado foi Edson Santos, com 44.585 votos. O eleito menos votado foi Eliomar Coelho com 18.296 votos. Em 2008, o candidato Reimont teve 10.723 votos. O candidato que puxaria a legenda do partido (Elton Babú) recebeu meros 11.279 votos. Muito pouco, se comparado à votação de seu irmão Jorge Babú, que em 2004 recebeu 24.532 votos. Outros nomes conhecidos como Jurema Batista, Lourival Casula e Edimilson Dias, tiveram uma votação tão baixa que não tem esperanças de assumir um mandato, nem temporariamente.

O PC do B elegeu Roberto Monteiro com 14.061 votos. Ele assumiu o mandato em 2007, no lugar de Fernando Gusmão, que em 2004 teve apoio de 36.434 eleitores. Roberto Monteiro quase triplicou sua votação, mas o seu partido teve poucos votos. Mario Del Rei, que já foi vereador pelo PMDB, não foi eleito em 2004 com 20.328. Agora ele recebeu 10.015 votos, menos da metade. Ficou novamente na 2ª suplência. A candidata comunista Jandira Feghali tentou a prefeitura mais uma vez, e obteve 321.012 votos. Na eleição anterior, ela teve 238.908 votos. Ela cresceu, porém novamente passou longe, caindo (e muito) nas pesquisas. Não conseguiu reunir a esquerda em torno de sua candidatura. É a 3ª derrota consecutiva de Jandira, que em 2006 se candidatou ao Senado, ficando em 2° lugar.

Desde 1992, o PCB não é o mesmo. O "partidão" virou PPS, e a militância que não concordou, refundou o partido. Nunca elegeu nenhum vereador desde sua reformulação em 1995, e sempre esteve distante da prefeitura.

O PSTU, famoso por seu radicalismo, também nunca elegeu vereador no Rio. Seu principal nome Cyro Garcia, teve 16.122 votos para vereador em 2004, mas não foi eleito porque o partido não atingiu o quociente eleitoral. Em 2008, se coligou o PSOL, e Cyro Garcia teve dessa vez 9.538 votos, ficando na 1ª suplência.

O PCO é um partido que não se enquadra em nenhum dos casos. Na cidade do Rio, tem apenas 29 filiados. Lança poucos candidatos, todos nomes desconhecidos, para propagar suas idéias "revolucionárias". Não tem interesse nenhum em eleger ninguém. Dizem que eleições não resolvem nada, mas continuam participando delas... Em parte, até que eles tem razão.

Aliado a esses resultados todos, temos os votos brancos e nulos, e a grande abstenção de 17,91%.

Mas por que eu mostrei todos esses dados? Pra reforçar a idéia de que há um grande esvaziamento político no Rio de Janeiro, e principalmente por parte da esquerda.

Temos o PDT utilizando o espaço na TV e rádio pra falar mal da Globo gratuitamente, levantar polêmicas algumas vezes ultrapassadas ou infundadas, e mais outras coisas. O partido pensa que ainda vive na década de 80, com a conspiração de vários meios de comunicação com a ditadura militar para roubar os votos de Brizola. Aliás, Brizola é outra polêmica. Os candidatos utilizam sua imagem, alguns não tendo nem afinidade ideológica com o próprio partido. Discursos do líder trabalhista são utilizados fora do contexto, e assim por diante. Só pra tentar arrebanhar o voto dos brizolistas do Rio, que ainda é um eleitorado razoável. Aliás, muitas pessoas são brizolistas, mas tão aversão ao PDT. O que também enfraqueceu o partido foi o apoio ao presidente Lula. O partido foi o primeiro a abandonar o governo do PT, ainda em 2003, devido a inúmeras divergências. Na primeira oportunidade após a morte de Brizola, a liderança partidária aprovou o retorno à base alida, contrariando grande parte da militância. A campanha foi monótona e chata, sem criatividade. E o candidato a prefeito Paulo Ramos amargou a 8ª colocação - a pior da história do PDT no Rio de Janeiro.

O PT não cresceu com o Lula. Aqui no Rio de Janeiro, sempre teve bancadas reduzidas, e quase sempre lançando candidatos próprios em horas erradas. Esse foi um bom momento, pois o governo Lula vive o seu "auge" de popularidade - embora eu não acredite nessas pesquisas - e o PT carioca quis pegar carona na imagem do presidente. Não deu certo. Com um discurso vago, cheio de rodeios, muito "politicamente correto", o deputado Alessandro Molon ficou em 5° lugar, isolado, sem alianças, e com vários candidatos do PT fazendo campanha para Eduardo Paes (PMDB). E mesmo que muitos não admitam, existe ainda um desgaste em relação aos escândalos de corrupção no governo Lula, e pesa, mais ainda, a criação do PSOL, onde muitos ex-petistas se abrigaram.

O PC do B durante muito tempo teve o seu vereador no Rio de Janeiro, o atual deputado federal Fernando Gusmão. Quando Jandira Feghali concorreu ao Senado, ele concorreu a uma vaga no Congresso, e eleito, deixou a vaga para Roberto Monteiro, que conseguiu se reeleger. Porém, o partido deve a eleição do seu único vereador ao PSB, com quem se coligou e que teve candidaturas com maior peso. O que prejudicou o PC do B foi sua própria candidata, que minimizou outras candidaturas da esquerda, e simplesmente fechou os olhos para o crescimento de Fernando Gabeira (PV). Resultado: Jandira perde a 3ª seguida, saindo do pleito com mais votos do que em 2004, porém mais enfraquecida. O PC do B não sabe fazer alianças com a esquerda. Sua militância em grande parte é de jovens, que dominam instituições como a UNE e a UBES, que atualmente estão muito distantes das lutas estudantis.

Sobre PCB e PCO, nada a declarar. Seus candidatos Eduardo Serra e Antonio Carlos tiveram, respectivamente, 2.663 (0,08%) e 961 votos (0,03%). Tudo isso em uma cidade com um eleitorado de 4.579.365 pessoas. Talvez por seu isolacionismo e radicalismo, são partidos que infelizmente não buscarão melhores resultados eleitorais. Para o PCO isso não importa, já mostramos lá em cima. Mas para um partido histórico com o PCB, o 1° do Brasil, fundado em 1922, isso é lamentável.

O PSOL ainda está engatinhando, não tem como fazer ainda uma análise de seu quadro.

Quando citei o PSB e o PPS, falei que melhoraram eleitoralmente no Rio, porém seus rumos políticos são confusos. O PSB parece que anda um pouco perdido após a morte de Miguel Arraes, a exemplo do PDT depois de Brizola. Seu nome mais forte na atualidade é Ciro Gomes, que já foi da ARENA, do PDS, do PSDB e do PPS. O PPS, por sua vez, anda fazendo alianças com o PSDB e o DEM, até a nível nacional, como por exemplo o apoio "não-declarado" a Geraldo Alckmin em 2006.

É preciso haver uma renovação da esquerda brasileira. Cito o Rio de Janeiro por ser o exemplo mais gritante dessa crise. As pessoas deixaram de votar na esquerda porque não acreditam mais que ela seja a mudança. No Congresso e nos estados, vemos inúmeros partidos ditos socialistas ligados a políticos adesistas e conservadores.

Não há investimento em renovação dos quadros políticos, formação de novas lideranças. Os partidos simplesmente cresceram em torno de seu próprio umbigo, priorizando muitas vezes fazer trampolim - se candidatar e perder pra prefeito ou governador e fazer votos para deputado - do que fazer uma aliança forte, ou uma candidatura nova, com boas propostas e renovada.

Esses partidos devem atualizar seus discursos, e isso não quer dizer abandonar sua ideologia, e sim manter seu discurso antenado com as mudanças que acontecem na sociedade e no mundo a todo momento. Muitos partidos ainda pensam que vivem nas décadas de 60, 70 e 80, sendo que alguns ainda vivem na Europa de 1848... Um bom exemplo de renovação são os partidos de esquerda da Alemanha, como o SPD (Partido Social Democrata Alemão), que foi governo durante algum tempo, mas que sofreu muito com a influência dos "ventos" do neoliberalismo. Quando perdeu espaço para partidos conservadores como a CDU (União Democrática Cristã), promoveu um congresso de reconstrução partidária, dando uma nova guinada pra esquerda, e investindo em novos quadros, principalmente na juventude. Outra parte da esquerda formou um partido socialista unificado, chamado Die Linke (A Esquerda), unindo pequenas facções radicais ao PDS (Partido Social Democrático) , herdeiro do partido comunista da Alemanha Oriental.

O momento no mundo é outro, e exije um discurso inovador, diferente de tudo que pregam por aí. Não é apenas fazer um discurso falando que todos são safados e iguais. E o cara que se candidata dizendo isso é o que? Um ET? Há muita generalização. Um acusa o outro de ser direita, sendo que enquanto isso a direita se une, se atualiza, busca alianças.

Claro que não proponho uma aliança de todos os partidos de esquerda, cada um tem sua ideologia, mas outros tem até afinidades. Na cidade do Rio o PDT nunca se aliou ao PT, porém tem mais afinidades com o PSB e PCB, pois até buscou alianças com esses partidos para essas eleições.

O que proponho são candidaturas viáveis, com discursos sadios, que realmente venham de encontro às necessidades da população carioca. Não é possível permitir que a capital cultural do país passe por um momento tão ruim na questão política, com baixa representatividade, muitos políticos fracos, outros denunciados por corrupção. E os bons sempre pagando o pato...

Enquanto não houver uma mudança por parte dessas agremiações, continuaremos com o atual quadro de descrença dentro da política. O povo não enxerga mais esquerda ou direita, e sim os que prestam e os que não prestam, independente do partido. Já se foi o tempo em que falávamos "Vote no partido tal, porque lá não tem ladrão". A esquerda brasileira sofreu sim influência do neoliberalismo, foi manchada pela corrupção, teve políticos cassados, e passa por um grande momento de rejeição e desconfiança.

Cabe às instâncias partidárias (diretórios e executivas) possibilitar esse processo de transformação, através de discussões, seminários, cursos, eleições internas livres e democráticas, maior participação popular e um debate maior com a sociedade, e por que não, intercâmbios com os "partidos irmãos" do Brasil e do exterior. O aparelhamento de sindicatos, grêmios estudantis e DCE's de universidades tem que acabar. Tem que haver mais transparência em relação às contas partidárias, a escolha de candidaturas e construção de alianças, principalmente nos "apoios" de 2° turno, onde candidatos que eram demonizados no 1° turno por esses mesmos partidos simplesmente viram amigos de longa data, quase que de infância.

E cabe também à militância se mobilizar, exigir participação, fiscalizar, levar as bandeiras para a rua, lutar por seu espaço, se conscientizar, construir alternativas, enriquecer debates, e claro, não fazer exatamente o que criticavam quando chegarem ao poder. Para ela, o que sugeri em relação às instância partidárias também vale.

Dessa forma, a esquerda poderá dizer novamente que existe a opção de mudar pra melhor o Brasil, e que através dela essa mudança será possível.

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