O Brasil precisa de uma reforma política urgente

O dia de domingo, 05 de outubro de 2008, simplesmente entrou para a história.
Não, não foi porque teve mais uma eleição. Domingo teve mais do que uma eleição.
Ainda não vi nenhum comentarista ou analista político falando sobre isso, acho que serei o primeiro ou então um dos primeiros.
Acompanho eleições há algum tempo, e posso afirmar o seguinte: essa foi a mais surpreendente dos últimos anos, causou espanto por muitos motivos.
Existe uma coisa que gostaria de salientar nesse texto: a participação da população.
No Rio de Janeiro, minha cidade, houve um número enorme de abstenções.
820.236 pessoas não foram votar (17,91% dos eleitores). Para prefeito o número de nulos e brancos, somados, foi de 479.282 (12,75% dos votos). Somente na 18ª Zona Eleitoral, a abstenção foi de 28,88%. O que isso quer dizer? Na cidade do Rio, 1.299.518 de pessoas simplesmente não querem saber de eleições, partidos e políticos.
E o panorama para a Câmara Municipal foi muito pior: 587.250 pessoas votaram em branco ou nulo, cerca 15,62% dos votos. E isso mudou muita coisa, causou espanto na classe política e em muitos candidatos.
O quociente eleitoral (o número mínimo de votos que o partido/coligação deve ter para fazer um eleito, que é igual ao número de votos válidos dividido pelo número de vagas na Câmara) caiu de 67.865 votos em 2004 para 62.193 votos em 2008. Isso pode não parecer muita coisa, mas altera a composição política da Câmara.
Em 2004, 21 candidatos eleitos tiveram entre 20 e 30.000 votos. Este ano, esse número caiu para 16. Na eleição anterior, 4 eleitos tiveram menos de 12.000 votos. Em 2008, foram 10 eleitos, um inclusive com 3.200 votos, algo que não me lembro de ter ocorrido em uma cidade com o Rio de Janeiro. Todos os números utilizados e cálculos feitos por mim tiveram como base o resultado apurado às 01:20 do dia 06/10/08.
O que isso significa? Apenas estatísticas? É óbvio que não!
Isso quer dizer que a mentalidade do povo está mudando. O povo está enjoado dos velhos políticos, das velhas idéias, dos discursos vazios e promessas mentirosas. A população quis dizer que não quer saber de nada disso, grande parte preferiu não votar, e os que votaram, mostraram nas urnas sua insatisfação. Muitos políticos tradicionais e candidatos que gastaram rios de dinheiro amargaram suplências ridículas.
O recado foi: ou mudam, ou vocês não terão nosso voto.
E isso não aconteceu somente no Rio de Janeiro, utilizei minha cidade como exemplo por ser a realidade mais próxima.
Em São Paulo, o número de abstenções foi de 1.281.538 (15,63%). Na cidade de Belo Horizonte, 298.601 (16,85%). Em Campinas, 115.323 (15,93%); Florianópolis, 47.651 (15,78%), e por aí vai.
As pessoas não acreditam mais nas eleições e nos políticos, e na falta de candidaturas e propostas decentes preferem não votar, não participar do pleito. E esse número está crescendo ao longo dos anos.
Temos vários diagnósticos para isso. Um deles é a infidelidade partidária, já que muitos candidatos utilizam partidos como legendas de aluguel - e algumas realmente são - se elegendo por uma sigla e migrando para outra. E fazem isso impunemente. Há pouco tempo que o TSE passou a julgar esses casos, e muitas vezes cassando o mandato dos "infiéis". Mas na legislação não existe nada em relação a isso, o TSE é que interpreta que o mandato não pertence ao político, e sim ao partido pelo qual foi eleito.
Outra polêmica é o voto facultativo, que muitos políticos são contrários. A pessoa não é obrigada a votar, e a justificativa dos que são contrários é o "esvaziamento político". Porém o esvaziamento político já é notório com o voto obrigatório. O voto facultativo obriga o político a se superar, a cumprir promessas de campanha, ser sério e transparente, ser mais ideológico. O candidato tem que "ralar" muito para fazer com que as pessoas saiam de suas casas para votar. E isso requer do político um esforço muito grande, ter que sair do conforto do gabinete, e ter maior relação corpo-a-corpo com as pessoas, visitas à comunidades, bairros, escolas e hospitais.
Existe também a chamada "Lei do resgate", implantada em vários países da Europa, onde o político que não cumpre seus compromissos tem o seu mandato interrompido por seus eleitores, através de consulta popular.
Os partidos tem que acordar e começar a repensar suas idéias. Os políticos tem que reavaliar suas posturas, os projetos defendidos, o que andam fazendo nas casas legislativas e no executivo. Discursos populistas, denuncistas, práticas mercantilistas e assistencialistas estão perdendo espaço no meio político. O personalismo cada vez mais toma conta da política, as pessoas tendem a votar no candidato, e não no partido. E isso tem prós e contras. Se de um lado a identificação com um candidato é grande, por outro não existe mais identificação com um partido político, com uma ideologia, com um projeto nacional. E os partidos tem de se adaptar a isso, fazer com que haja uma ligação ideológica com seus candidatos. Mas o personalismo surge muitas vezes quando o partido político não tem uma firme base filosófica, e sim fisiológica.
Se não houver uma mudança significativa, daqui a algum tempo, teremos mais votos inválidos e abstenções do que votos válidos, e um menor respaldo popular para os pleitos futuros, com uma legitimidade eleitoral quase nula, o que abre espaço para especulações, boatos e até mesmo fraudes e movimentos extremistas.
O Brasil precisa de uma reforma política urgente.

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